Rosana Sales de Jesus
(autor)
UERJ-FEBF
Rosemary dos Santos
(orientadora)
UERJ-FEBF
1. À GUISA DE INTRODUÇÂO... ENTRELAÇANDO OS FIOS DA PESQUISA
O presente estudo é fruto
da pesquisa de mestrado em andamento na Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (UERJ), Faculdade de Educação da Baixada Fluminense (FEBF), cujo título
é “Os sentidos da escola em conversas docentes no WhatsApp[1]:
uma ciberpesquisa multirreferencial com os cotidianos”. O objetivo desta
pesquisa é promover algumas reflexões sobre
os usos das conversas no WhatsApp
como dispositivo de pesquisa acadêmica e como elas podem contribuir para o exercício da formação continuada dos
docentes e para uma prática pedagógica contextualizada com a cultura
contemporânea.
O campo da pesquisa é uma
escola pública da periferia do Rio de Janeiro[1]
onde a pesquisadora e dez professores participam do grupo do WhatsApp. Inicialmente criada pela gestora da escola para a
comunicação entre direção e professores, essa finalidade foi logo
ressignificada pelos docentes: as conversas aligeiradas que aconteciam durante
o horário escolar estenderam-se para o grupo do WhatsApp da escola. É nessa ambiência, possibilitada pelo WhatsApp, em que opiniões, realizações,
angústias, alegrias, sonhos se imbricam, e temas diversos, como formação, atos de currículo, estigma,
violência, e, em especial, educação são
discutidos, que emerge um dos dilemas desta pesquisa: a busca de uma
alternativa para que esses saberes e fazeres que são compartilhados nessas conversas não caiam no vazio e possam
reverberar na prática cotidiana da
escola, tendo em vista a melhoria do processo educativo.
Para isso, na realização
desta pesquisa, inspiramo-nos na abordagem
multirreferencial com os cotidianos para refletirmos sobre as nossas práticas
cotidianas, considerando que uma pesquisa não se reduz ao ato de coletar,
selecionar e categorizar os dados, mas se tornam significativas quando produzidas
com os docentespraticantes[2]
(CERTEAU, 2009). Assim, este estudo
justifica-se pela potência dos aplicativos na atualidade. Entendemos que trazer as conversas do aplicativo
como dispositivo[3] de
pesquisa é pensar sobre a diversidade de histórias que emergem no cotidiano da
escola e o quanto as conversas se constituem como modos de viver.
2. TECENDO UM CAMINHAR: OS MOVIMENTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA
MULTIRREFERENCIAL COM OS COTIDIANOS
A pertinência desta pesquisa inscreveu-se num amplo
movimento da perspectiva epistemológica da multirreferencialidade com os
cotidianos, pois pensamos que seja
"fundamental vivenciar uma metodologia aberta às emergências, ao novo, ao
possível, ao acontecimento” (SANTOS, 2005, 140), que seja participativa,
implicada, vivenciada em diálogo práticateoriaprática,
construída no movimento da pesquisa, ancorada numa leitura plural, desvelando
insatisfações, ausências, desconsertos, dificuldades que são próprias da
realização de pesquisas com seres humanos. Desse modo, fundamentados no
paradigma da complexidade (MORIN, 2006), buscamos bricolar os fundamentos
teóricos da abordagem multirreferencial (ARDOINO, 1998: MACEDO, 2012), que
valoriza o diálogo entre saberes científicos e saberes comuns, com a abordagem
da pesquisa com os cotidianos (CERTEAU, 2009: ALVES, 2008), que enfatiza as
práticas pedagógicas.
O contexto da pesquisa foi o grupo de WhatsApp formado por docentes de uma escola pública do município
do Rio de Janeiro e acionado pela diretora da escola. Com o dispositivo
conversas no grupo do WhatsApp,
produzimos novos conhecimentos, tecemos o caminhar da pesquisa, levando em
conta a experiência autorizante do pesquisador e dos praticantes da pesquisa(SANTOS,
2015). E como traduzir em palavras o que os praticantes colocam de forma tão
generosa sem deixar de lado os sentidos expressos nessas conversas, sem usá-las
friamente, como dados prontos a serem analisados, separados e categorizados de
acordo com o modo hegemônico de se fazer ciência? É preciso
experimentar outras formas de investigação científica, buscando compreender a
rede de saberes presentes nas imagens, sons, silêncios e falas, ou seja, a
imprevisibilidade de trazer as conversas como dispositivo de pesquisa. Trazendo
uma nova maneira de escrever, que se expresse em múltiplas linguagens (dos
áudios, vídeos, memes, emojis, links) tecidas coletivamente no movimento de "uma escritafala, uma
falaescrita ou uma falaescritafala" (ALVES, p. 31, 2008), emergentes na atual dinâmica cibercultural.
Desse modo, a opção pela
abordagem epistemológica multirreferencial com os cotidianos nos permite
conversar com os professores e não sobre eles, olhar as faltas, dialogar com as
certezas e incertezas, compreendendo, de modo plural, os processos formativos
em que estamos inseridos. São os dados que emergem das conversas que nos move
a quebrar a hegemonia de fazer a investigação a partir de uma abordagem
metodológica prescritiva, dura, controlável, ancorada em perguntas e respostas
frias sobre os fazeres docentes nos espaçostempos
da escola.
No diálogo entre teoria e
empiria, tecemos caminhos para interpretar os dados que
emergem dessas conversas. Para Santos (2015, p. 32), "a
narrativa dos praticantes culturais e os demais recursos constitui recursos
extremamente férteis apresentados no corpo do texto analítico e como fonte de
densa interpretação". Por isso
pesquisamos com, em parceria, no entrelaçar dos fios tecidos por nós e com os
outros. Inventando e recriando caminhos tecidos no coletivo e buscando
compreender de forma plural as "maneiras de fazer" (CERTEAU, 2009)
desses praticantes.
3. CONVERSA COM OS PROFESSORES: NOTAS DA PESQUISA
01 de fevereiro de 2017- grupo do WhatsApp
Rosana: Boa noite, queridos! Entrei no site da MultiRio e descobri
que na página principal há o projeto " Não deixe o mosquito pegar você de
surpresa" com vídeos, áudios, jogos e textos da coletânea Detona Aedes.
Flavinha: Q bacana!
Rosana: Acho que vou escrever o roteiro de uma peça
Claudia: #peçacomaRosana #euapoio
Eu vou ensinar a
fazer o repelente c álcool, óleo de amêndoas e cravo! Depois vamos distribuir a
receita e amostra grátis (1502).
Flavinha: Fede (mas é
bom!)
Rosana: Oba! Vou querer tb!
Giselle: Outra dica: comer inhame! Ele deixa um cheiro na pele que
repele o mosquito!
E para as crianças,
podemos fazer Danoninho de inhame. É uma delícia!
E dá para congelar
pra fazer sorvete.
Rosana: Danoninho de inhame? Quero todas as receitas!
A professora Rosana em
visita ao site da MultiRio[4]
descobriu uma série de produções voltadas ao combate à dengue e compartilhou os
achados no grupo do WhatsApp: "Entrei no site da MultiRio e descobri que na página
principal há o projeto 'Não deixe o mosquito pegar você de surpresa' com
vídeos, áudios, jogos e textos da coletânea Detona Aedes." Essa troca discursiva que observamos
poderia ter acontecido em qualquer espaço físico da escola, mas com o uso do
dispositivo WhatsApp, os professores que
acessaram o grupo, em qualquer espaçotempo,
puderam participar da conversa trazendo
suas itinerâncias de vida e formação.
O contexto dos relatos
das práticas em sala de aula surgiu como uma das noções subsunçoras[5]·. Compreendemos que a fala da
docente Rosana traz uma intencionalidade, a possibilidade do encontro, uma porta que se abre para o início da conversa, na
qual as professoras puderam visitar o site, planejaram seus fazeres nos
cotidianos da escola e trouxeram uma pluralidade de ideias a partir dos saberes
que emergiram dessa prática dialógica, que também demarca o contexto em que se
insere esta pesquisa: a cibercultura (SANTOS, 2005).
Concordamos com Santos (2015, p. 28), que "um
dispositivo de pesquisa e formação nada mais é do que uma política de sentidos
à disposição das proposições da pesquisa, das vivências, representações,
imaginários, histórias e cotidianos inter-relacionados e contextualizados
socialmente" e, nesse sentido, entendemos que as conversas coletivas propiciam o
pensar sobre a escola, o local que está inserida, como é vista pelo olhar do
outro - os de fora - e como é vivida pelas pessoas que habitam o espaço escolar
- os de dentro. Essas negociações de sentido nos remetem a dizer que as
conversas cotidianas são elementos potentes para pensarmos os saberesfazeres dos docentes nos diversos
ambientes formativos e o potencial formativo dos aplicativos de conversa na
atual cena sociotécnica.
4. BREVES CONSIDERAÇÕES
Pesquisar com os professores e não sobre eles
implica perceber o valor das subjetividades e o inevitável inacabamento do ser
humano que, o tempo todo, se constitui a partir da relação com o outro. As
trocas, os diálogos, a multiplicidade de vozes e olhares são responsáveis por
construir acabamentos provisórios, contornos dados a partir do olhar do outro
que nos confere uma percepção de um lugar que não alcançamos sozinhos.
Por fim, para
compreendermos como os praticantes se constituem ao longo
do percurso de construção dessa pesquisa, procuramos fugir das prescrições com
as quais fomos formados e, sobretudo, buscamos as diferentes vozes, os pontos
de vista particulares, os diferentes contextos para compreendermos as
singularidades, as faltas, as dúvidas e imprevisibilidades,
compreendendo, de modo plural, os processos formativos em que estamos inseridos
e que são hoje fortemente influenciados pelo uso do digital em rede.
5. REFERÊNCIAS
ALVES,
N.; OLIVEIRA, I. B. Pesquisa nos/dos/com os cotidianos das escolas: sobre redes
de saberes. Petrópolis: DP et al, 2008.
ARDOINO, J. Nota a
propósito das relações entre a abordagem multirreferencial e a análise
institucional (história ou histórias). In: BARBOSA, Joaquim Gonçalves (coord.);
Multirreferencialidade nas ciências e na educação. São Carlos: UFSCar, 1998.
CERTEAU, M. A
invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. Pertópolis, RJ: Vozes, 2009.
MACEDO,
R. S. A etnopesquisa implicada: pertencimento, criação de saberes e afirmação.
Brasília: Liber Livro, 2012.
MORIN,
E. Introdução ao pensamento complexo. — Porto Alegre: Sulina, 2006.
SANTOS,
E. Educação online: cibercultura e
pesquisa-formação na prática docente. Tese de doutorado. Salvador, FACED-UFBA,
2005.
SANTOS,
R. Formação de Formadores e Educação
Superior na cibercultura: itinerâncias de Grupos de Pesquisa no Facebook. Rio de Janeiro, 2015. Tese de
doutorado- Faculdade de Educação, Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
[1] Por questões éticas, optamos por preservar a identidade da
instituição e das pessoas envolvidas na pesquisa.
[2] Esse
modo de escrever unindo as palavras, se mostrou necessário para buscar superar
a dicotomização herdada do período no qual se “construiu” a ciência moderna, e
é uma das marcas registradas na obra da Nilda Alves.
[3] Optamos utilizar a
noção de dispositivo de Ardoino(1998), que diz que dispositivos são todos os
meios intelectuais e/ ou materiais que o pesquisador dispõe ou cria para
cocriar seus dados.
[4] Criada em 18 de
outubro de 1993, a MultiRio – Empresa Municipal de Multimeios, vinculada à
Secretaria Municipal de Educação da Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, vem
referendando sua atuação na convergência cidade-educação. Disponível
em: <http://www.multirio.rj.gov.br/>.
[5] Noção subsunçora: parte que é significativa e tem o
propósito de
distinguir o objeto, os acontecimentos, os praticantes culturais, as ações ou
outros aspectos.(SANTOS, 2015, p.31)
[1] O WhatsApp é um aplicativo que utiliza a
conexão da internet para enviar mensagens de texto, vídeos, fotos, arquivos, em
um mesmo dispositivo. Nele as conversas podem ser individuais ou em grupo e
somos capazes de compartilhar mensagens, fotos, vídeos com até 256 pessoas ao
mesmo tempo.
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